Friday, April 20, 2012

New review of Strange Tribe from Brazil

Here is a new review of Strange Tribe from Brazil, in Portuguese.


http://www.clinicaliteraria.com.br/2010/uma-tribo-mais-que-estranha


Uma tribo mais que estranha

Luis Peazê - Publicado em 20/04/2012 07:04
Categoria: Literatura
Contexto: Hemigway
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Foto acima: esquerda capa de Strange Tribe (Ernest Hemingway e seu filho Gregory. A direita o autor, John Hemingway, filho de Gregory.
Ernest Hemingway, Prêmio Nobel de Literatura de 1954 e um dos símbolos americanos em mais de um sentido, com cuja obra e vida vence as barreiras do tempo como nenhum outro protagonista da literatura universal, sempre atual e instigante, certa vez foi surpreendido pelo filho mais novo, Gregory Hemingway, experimentando as meias de nylon da mãe e soltou a frase: Oh, meu Deus! Intimamente devastado e pensando “você também?”. Uma semana depois teria dito para o filho: - Gigi, nós viemos de uma tribo estranha, eu e você.

Por Luis Peazê  - tradutor de Por Quem os Sinos Dobram de Ernest Hemingway.

Gigi, ou Greg, foi o pai de John Hemingway, autor de Strange Tribe (Tribo Estranha), um livro de memórias que poderia ser um romance de ficção, daqueles que aprisionam o leitor no sofá, um filme, daqueles de se ver e rever várias vezes, ou ainda, um livro de auto-ajuda baseado em histórias reais da vida, de sofrimento, superação e do exercício do perdão, e até de uma aventura existencial. Na verdade, lê-lo pensando em qualquer uma dessas classificações, não fará diferença. Sem mencionar que, ao se tratar de Hemingway, é um livro da história da literatura, sem lê-lo, um naco importante ficaria faltando para qualquer estudioso.

Ocorre que o próprio autor, John, é um dos protagonistas centrais da história que começa em nossos dias, posto que o livro foi lançado recentemente (2007), e nos remete aos mais secretos labirintos hemingwayanescos, isto é, uma ramificação de fontes verídicas de clássicos da literatura de uma verve única, de segredos de família que moldaram a personalidade, obra e imagem de um autor que marcou várias gerações, de escritores, leitores, acadêmicos e cultura popular, neste caso dos Estados Unidos.

Enfim, pode-se dizer que existiu um Hemingway antes e um depois deStrange Tribe. Ainda que não tenha sido este o propósito do autor, demarcar a história hemingwaiana.

Para os versados na vida e obra de Hemingway, não era desconhecido o seu filho Greg que gostava de travestir-se, desde criança, que ao fim da adolescência implantou um seio (apenas um) para ver como ficaria, que mais tarde fizera uma cirurgia para trocar de sexo, e passou a chamar-se Glória, e que, apesar disso tudo, não era gay, era reconhecidamente maníaco depressivo e alcoólatra, foi casado quatro vezes, escritor e médico durante uma década e meia até perder a licença e morrer prisioneiro em uma cadeia feminina de Miami, por andar nu e embriagado em público, e por tudo isso, até então, considerado a ovelha negra daquela família.

Da mesma forma não era desconhecido de muitos as subjacências andrógenas na vida e obra do próprio grande Ernest Hemingway, que sacara de experiências pessoais, por exemplo, inversões de papéis, uma de suas mulheres teria vivenciado a fantasia de tornar-se lésbica ou homem e ele, no caso, a mulher de sua mulher, não só no secreto espaço de quatro paredes e uma cama, mas também em público através do corte de cabelo e tintura da mesma cor (cobre), ele e ela, em brincadeiras do gênero...  Sem ter perdido, até então, a imagem de símbolo do macho americano, número um, vencedor, que gostava de praticar box, desafiar os perigos dos safáris africanos na caça de tigres, leões e elefantes, ou nos mares do Caribe a procura de bater recordes de pescaria dos maiores marlins já fisgados no mundo, enquanto liderava um grupo de informantes do FBI (formado por ele mesmo) para espionar atividades anti-americanas a partir de Cuba. Experiências tais, inesgotáveis, como o feito de ter escrito uma peça de teatro, a Quinta Coluna, inspirada na Segunda Guerra Mundial, enquanto refugiava-se entre um pelotão da resistência num hotel em Madri, em meio a um bombardeio de verdade, sem contar ter sobrevivido a duas quedas de avião.

Tudo isso é “remasterizado” (na linguagem de cinema) em Strange Tribepelos recortes corretos e honestamente revelados pela obstinação de John Hemingway que angustiava descobrir, responder para si, acertar as contas com seu pai, sua mãe, com o avô, com a avó, tios, irmãos e com tudo o que havia lido a respeito de sua família cujo quebra-cabeças não lhe fazia sentido.

John não só revisitou cartas trocadas entre Gregory, seu pai, e Ernest, seu avô, mas introjetou-se nas crises de suas avós paternas e mãe esquizofrênica e alcoólatra, revirou as contrações uterinas das gestações conturbadas de sua hereditariedade, reviveu os seus sofrimentos de infância, em que trocava de endereço mais de uma vez por ano, seguidamente, perdendo a chance de criar vínculos, dos carinhos maternos, ao contrário, crescer vivenciando as crises da mãe, o alcoolismo, e a androgenia do pai maníaco depressivo e o seu comportamento desequilibrado.

Perguntando a parentes, primos, tios, lendo relatos de biógrafos, os próprios romances do avô famoso, e as repetidas manchetes de jornais do mundo todo informando que "mais um Hemingway" cometera suicídio, finalmente John nos brinda com um final feliz, na medida do possível, posto que nos ensina de maneira delicada e sem espetacularismo como é possível simplesmente dizer “eu não gosto disso” ao invés de julgar “isso é errado”, como é possível amar e perdoar os pais, mesmo tendo aguardado até o fim de suas vidas um carinho que nunca obteve, sem ter sucumbido aos mesmos erros e fraquezas de seus progenitores.

Com respeito a forma e estilo, John escreve de maneira fácil e convidativa, por revelar uma personalidade despojada de vaidades fúteis. Desde que a matéria prima da narrativa é rica e surpreendente, John escolhe uma estratégia temporal elíptica e semovente, indo ao passado e pulando para um futuro indeterminado, para trás e para frente, e vai assim até o final onde é, na verdade, os nossos dias e por isso o vocabulário é bem atual e rico de influências latinas (pensa e escreve em inglês), do espanhol e italiano, culturas que conheceu por ter vivido muitos anos na Itália e Espanha.

Não era nem preciso ser engraçado, mas há momentos de Strange Tribe que a gente e pego de surpresa e ri. Ernest Hemingway dissera uma vez que “você saberá se escreveu alguma coisa boa se conseguir fazer alguém chorar”. Eu diria modestamente que entreter, arejar a história da literatura universal e inspirar um leitor já seria o suficiente. Em Strange Tribe John Hemingway consegue um pouco mais do que isso.